quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A Vitória de Cipião, o Açoriano



Foi um Aníbal irremediavelmente derrotado que ontem leu os termos da capitulação política na televisão. Foi, à boa maneira de Franklin Roosevelt, uma rendição sem condições.

Acantonado numa posição política impossível, o velho Aníbal limitou-se a ler os termos da derrota. Os termos da capitulação foram os seguintes:

1) O Presidente da República promulga a Lei “ordinária”, na certeza de que se não o fizer terá de demitir-se em resultado do incumprimento da Constituição.

2) O Presidente da República não dissolve o Parlamento, “órgão responsável pela crise institucional”, na medida em que esse facto só beneficiaria o PS que está mortinho por ir a votos antes das autárquicas;

3) O Presidente da República compromete-se a cumprir o “absurdo” de ter de ouvir os órgãos de governo próprio dos Açores se, por absurdo, quiser dissolver o Parlamento rebelde.

Antes morrer livres que em paz sujeitos

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008


Não concordo com o sistema semipresidencial presente na actual Constituição Portuguesa. Penso, aliás, que o mesmo representa um foco de instabilidade permanente no nosso sistema político.

As crises políticas originadas nos consulados de Eanes, Soares e Sampaio, são um bom exemplo da sua absoluta inutilidade e das desnecessárias tensões políticas que gera.

No fundo, representa uma segunda versão do erro que caracterizou o poder moderador no âmbito do liberalismo português. Prefiro um sistema parlamentar puro, como o vigente no Reino Unido, na Espanha ou nos países escandinavos.

Por tudo isto, considero absolutamente aberrante a postura do Presidente da República a respeito do Estatuto dos Açores. Trata-se de um texto aprovado, por unanimidade, na Assembleia Legislativa Regional e no Parlamento. Goza, por isso, de uma ampla legitimidade parlamentar e política.

Na minha perspectiva, deveria ter bastado este consenso parlamentar para dissuadir o Presidente da República de nos fazer perder, a todos, tempo e dinheiro na questão estatutária dos Açores.

Na verdade, as questões levantadas pelo Presidente da República são tão irrelevantes que se percebe que o seu objectivo é, no fundo, muito mais amplo. Trata-se de um ataque ao próprio sistema autonómico, algo que a antiga diva da ortodoxia estalinista não se cansa de aplaudir, recordando os seus bons velhos tempos de defesa do modelo centralista soviético.

Para cúmulo, alguns acham que o que o Presidente deveria fazer era dissolver a Assembleia da República, uma vez que a mesma não cedeu à chantagem presidencial. Eu, pelo contrário, penso que o que devemos fazer, na revisão constitucional de 2009, é aplicar a fórmula luxemburguesa.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Por uma Península Ibérica Plural (Republicação)

O Estado espanhol – na sua configuração territorial actual – resulta do casamento, no século XV, dos herdeiros dos tronos de Castela e de Aragão. Mais tarde, estes mesmos príncipes – os Reis Católicos (Fernando e Isabel) – conquistaram os reinos de Granada (1492) e Navarra (1512).

A união dinástica, que vigorou a partir desse período, não alterou, sob o ponto de vista jurídico, o estatuto específico dos diversos reinos que passaram a integrar a nova monarquia, uma vez que os mesmos mantiveram órgãos de governo próprio e sistemas fiscais específicos.

O processo centralista, exercido a partir de Castela, tornou-se mais visível a partir do século XVII devido às obrigações imperiais da dinastia reinante, os Habsburgos. Depois da exaustão fiscal de Castela, a única solução era o ataque aos privilégios fiscais dos reinos periféricos da Península.

O resultado destas políticas foi a revolta generalizada dos povos peninsulares periféricos – foi neste contexto que Portugal pôs fim à sua própria ligação, de 60 anos, com esta dinastia – e o fim da Espanha como grande potência europeia.

A ascensão dos Bourbons (século XVIII) e a acção subsequente dos Governos Liberais do século XIX, acentuaram as políticas centralistas que se consubstanciaram na perseguição às línguas e ao que restava da organização institucional destes povos.

Tirando o breve interregno da II República espanhola, só com a Constituição de 1978 é que voltaram a ser reconhecidas as especificidades das nacionalidades históricas do Estado (catalã, basca e galega). Como se sabe as outras Comunidades Autónomas resultaram da fórmula redundante de Adolfo Suárez, o célebre “ café para todos “.

A partir daí o processo histórico acelerou-se vertiginosamente. Na Europa de Leste, após a derrocada do comunismo, os nacionalismos ressurgiram e desintegraram os grandes estados plurinacionais (URSS, Checoslováquia e Jugoslávia).

Em Espanha os partidos nacionalistas tornaram-se, por força do seu crescimento eleitoral, incontornáveis nos Parlamentos e nos Governos das Comunidades Autónomas (Catalunha, Euskadi e Galiza). Exigem, actualmente, novos Estatutos de Autonomia que superam o marco constitucional vigente, nomeadamente no que diz respeito ao pretendido reconhecimento do seu estatuto de nações e à faculdade de exercer, no futuro, o direito à autodeterminação.

A estratégia do Governo central foi, durante o consulado de Aznar, tentar conter o dique nacionalista através da confrontação política permanente e da utilização dos recursos institucionais do Estado. Esta estratégia provocou a radicalização política dos sectores nacionalistas e estava funcionalmente esgotada.

O novo Governo socialista aplica uma estratégia diferente. Aposta tudo numa estratégia de apaziguamento com as forças nacionalistas. Promete uma segunda “Transição” que se consubstanciará, na prática, na edificação de um Estado espanhol de natureza confederal. De forma instrumental, o Partido Socialista passou a integrar – na Catalunha, Galiza e no Estado – coligações com os partidos nacionalistas de esquerda tentando sobrepor, em vão, o factor ideológico ao nacionalismo.

Esta conjuntura tem muitos pontos de contacto com a estratégia tentada pelas democracias ocidentais, na década de 30 do século passado, em relação à Alemanha Nazi. Líderes fracos, governando países com opiniões públicas incapazes de aceitar os sacrifícios inerentes a estratégias de confrontação, tentaram apaziguar um adversário muito mais determinado e predisposto a correr mais riscos.


A estratégia de Zapatero apenas adiará o inevitável. Para o Governo socialista os novos Estatutos – que criarão entidades de carácter nacional quase independentes – será o esticar da corda definitivo. Para os nacionalistas esta será apenas a penúltima etapa rumo à independência.

O Estado e a sociedade espanhola estão prestes a atravessar o último Rubicão psicológico. Ao reconhecerem o carácter nacional de povos como o basco, o catalão e o galego, tornam irreversível o reconhecimento – a prazo – do direito implícito a esse estatuto: a autodeterminação.

A esta análise do processo político espanhol juntamos a convicção que estas nações – que possuem uma forte consciência nacional e uma língua e cultura próprias – têm, de facto, o direito à autodeterminação.