segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Artigo de Opinião: "Em defesa uma sociedade justa e solidária"

"Estamos a viver momentos verdadeiramente históricos. Momentos históricos na medida em que a nossa organização social e o nosso modo de vida estão a ser colocados em causa de uma forma muito violenta. Existe uma enorme pressão da conjuntura e das mãos invisíveis, e nada limpas, do mercado para que nada fique como antes. Para que não fique pedra sobre pedra de um sistema social tendencialmente mais igualitário, solidário e justo.

Ninguém contestou, nos últimos anos, o paradigma da História linear. O progresso irreversível das condições de vida de todos. A ideia de que nós vivemos melhor que os nossos pais e avós e que aos nossos filhos e netos lograriam superar a nossa qualidade de vida. Por culpa desta ilusão, estes são tempos tão difíceis de enfrentar. É como se tudo isto não fosse mais que um pesadelo. Um sonho terrível. É difícil enfrentar uma realidade que supera as nossas piores perspetivas.

Nenhum de nós está verdadeiramente preparado para abandonar o futuro. A esperança em dias melhores. É por isso que a religião constitui a mais persistente manifestação humana. Todos estamos prontos para abdicar do presente, desde que nos garantam o futuro. Mas é precisamente esse futuro que nos é negado pelos profetas do neoliberalismo. O nosso e o dos nossos filhos e netos. E até o futuro de quem já o tinha começado a viver: o dos pensionistas e reformados.

O futuro da sociedade neoliberal é a escravatura dos trabalhadores e a construção de uma sociedade com apenas duas classes: a dos que sobrevivem e a dos poucos privilegiados que vivem grandes tempos à custa do futuro de todos os outros. Nestas circunstâncias é vital cerrar fileiras ao lado de todos aqueles que não abdicam da sobrevivência de uma sociedade solidária. De uma sociedade na qual é proporcionada uma educação pública gratuita a todas as crianças e jovens dos Açores. 

Uma educação que dote os nossos jovens de conhecimentos, competências e valores humanistas. Uma educação que seja sinónimo de igualdade de oportunidades. Uma educação que permita que todos, à custa do trabalho e da superação, possam vir a ser aquilo que um dia sonharam ser. Uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos.

Cabe à escola pública derrotar o fatalismo do neoliberalismo, que postula que não é possível alterar a realidade social subjacente aos maus resultados escolares. É uma ideia perigosa, na medida em que a conclusão de que as escolas não conseguem derrubar circunstâncias sociais e familiares adversas convida ao desinvestimento no sistema educativo público. Nada vale a pena fazer, na medida em que nada pode ser alterado. Isto é falso! É possível melhorar, e muito. É possível através da dedicação, sem limites, dos professores e das escolas. Cada professor tem uma batalha a vencer. Cada aluno – todos os alunos – têm de ser transformados num caso de sucesso.

É o Estado Social que aqui defendo. Temos de redistribuir, de forma justa, aquilo que é de todos e nesse processo não matar a galinha dos ovos de ouro. De nada nos serve dar tudo hoje e não ter nada para dar amanhã. É por isso que ao lado do Estado Social deve estar a preocupação em reunir recursos económicos e desenvolver estratégias económicas que promovam o crescimento económico.

Esta última premissa transporta-nos para a questão autonómica. A pergunta é: temos ou não o direito de efetuar escolhas diferentes e decidir de forma diferente nos Açores. Os órgãos de governo próprio dos Açores têm ou não legitimidade democrática, constitucional e as que resultam do direito natural dos povos para decidir de forma diferente de Lisboa? Temos ou não temos essa faculdade? A minha resposta é sim, temos! Temos mesmo que os outros achem que não temos. Temos! Temos de ter!

Em Lisboa, este e outros governos – olhando através das suas secretárias voltadas para o Tejo majestoso de onde partiram as naus que conquistaram o mundo – ainda pensam, ainda agem, como se fossem a cabeça de um império. Uma cabeça que perdeu o corpo e quase todos os seus membros, mas que ainda mantém os hábitos e os trejeitos de um império que durou quase seis séculos. Um império sempre negligenciou as periferias e as deixou à sua sorte nos momentos de dificuldade. Mesmo assim, as periferias resistiram e sobreviveram. Habituaram-se a resolver os seus problemas na ausência do Estado. 

Como se tudo isto não bastasse, o Estado nomeou um embaixador do centralismo, que aqui exerce as funções de Representante da República. Trata-se de uma espécie de inquisidor-mor. Um personagem político não eleito, não representativo e de nula legitimidade democrática. Uma figura que só aqui está para  assegurar que a vontade de Lisboa prevalece e que a nossa Autonomia obedece. Nada disto é admissível. Temos de preparar-nos para dar o bom combate. Os açorianos não aceitarão um retrocesso no processo autonómico.

Paulo Estevão"

In Jornal Açoriano Oriental