sábado, 11 de janeiro de 2014

Artigo de Opinião: "Embaixador e verdugo"

"O Representante da República para a Região Autónoma dos Açores requereu, ao Tribunal Constitucional, a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas referentes à remuneração complementar regional contidas no Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2014. Trata-se de um ato sem precedentes, que irá causar enormes transtornos aos órgãos de governo próprio do Povo Açoriano. Estou à vontade nesta matéria, uma vez que, apesar de não concordar com muitas das medidas previstas no Orçamento de Estado para 2014, defendi – neste momento decisivo da conclusão do Memorando de Entendimento – a importância crucial da estabilidade do processo orçamental. Nesse sentido, sustentei mesmo que o Presidente da República não deveria solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade do Orçamento do Estado para 2014. 

Decidimos a favor do interesse nacional, apesar do óbvio interesse partidário de nos desvincularmos de normas que reduzem salários e alteram o cálculo e os critérios de atribuição das pensões de sobrevivência. Sucede, no entanto, que este Representante da República é, do ponto de vista político, um irresponsável, um incendiário e um verdugo. Só um completo irresponsável – e inimputável nas urnas – se atreveria a deixar um país, ou uma região, sem Orçamento na atual conjuntura. Na Grécia, na Irlanda, na Itália, em qualquer Estado alemão, nas Comunidades Autónomas espanholas e, de uma forma geral, em toda a Europa, foi realizado um esforço titânico e patriótico – pelos atores políticos europeus, nacionais e regionais - para viabilizar os respetivos instrumentos orçamentais. Nestas horas difíceis, imperou o sentido de responsabilidade de todos, com exceção de um lunático a quem foi dado o inacreditável poder de incendiar o futuro das famílias açorianas. 

É evidente que os agentes económicos esperam, neste momento, para ver o que sucederá no âmbito da crise orçamental provocada por este “alien” da política açoriana. É expectável que a banca nacional e internacional – parceiros e financiadores do Governo Regional e dos agentes económicos regionais – aguardem, antes e depois da apreciação da matéria por parte do Tribunal Constitucional, para ver o que acontece. 

Nada disto preocupa um alienado Representante da República que, em declarações públicas, compara – de forma displicente e ignorante - o atraso deste Orçamento com o verificado no ano passado. Não vê, o pobre, que abriu uma crise político-institucional e criou um cenário de enorme incerteza em relação ao futuro que, pela simples natureza dos factos (a existência de uma maioria absoluta que garantia a aprovação do Orçamento e o desconhecimento público da natureza politicamente irresponsável do Representante da República), não existiu no ano passado.

Num parecer jurídico solicitado pela Assembleia Legislativa, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia questiona-se a respeito do que fará o Representante da República “no caso de haver uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, perante a confirmação dessa decisão por maioria de dois terços dos deputados regionais, entre assinar o diploma orçamental – e assim ter de concordar politicamente com a solução que tanto verberou na ótica jurídico constitucional – e recusar essa assinatura – e assim lançar a Região Autónoma dos Açores no caos financeiro”. O dramático desta história é que ninguém – estou convencido que nem ele próprio – sabe o que vai suceder a seguir.

Assim, exatamente no período mais crítico da História recente de Portugal, o Representante da República não se lembrou de outra coisa senão montar e protagonizar um verdadeiro filme de terror. É claro que este episódio acabará por afetar o resto do país, na medida em que a notícia que uma parte do Estado está condenado a viver sem Orçamento acabará por chegar, tal como sucedeu com a dívida madeirense, aos mercados internacionais. O resultado não deverá ser agradável para o país: os mercados são sempre muito sensíveis às más notícias e tendem a entrar em pânico com pouco. Aliás, para muitos a boa notícia é precisamente a má notícia, que possibilita a obtenção de taxas de juro mais altas.

Este homem não pode ser julgado nas urnas, mas deverá ser, na minha opinião, judicialmente responsabilizado pelos prejuízos causados à Região Autónoma dos Açores devido à sua conduta errática, incompetente e irresponsável. • 
Paulo Estêvão"

In Açoriano Oriental