quarta-feira, 29 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "O fundamentalismo islâmico"

A opinião pública ocidental está absolutamente chocada com as notícias que divulgam os atos bárbaros que todos os dias são cometidos pelo Daesh (Estado Islâmico). Os relatos dos massacres perpetrados contra as populações cristãs e outras minorias religiosas do Médio Oriente e os vídeos das decapitações dos reféns “teletransportam” a humanidade para a idade da barbárie que antecedeu a emergência do islão na Península Arábica. Nos últimos dias, o Daesh destruiu a cidade assíria de Nimrud e as antigas estátuas assírias da cidade de Mossul, tesouros culturais de valor inestimável.
Nada disto tem muito a ver com a religião islâmica. Os fanáticos do Daesh - que reclamam o regresso aos valores originais do islão - deveriam perguntar-se por que razão, 1400 anos depois da emergência do Islão, ainda existem minorias cristãs no Médio Oriente e vestígios materiais das grandes civilizações do Crescente Fértil, berço da nossa civilização. A resposta é óbvia. A civilização islâmica, mesmo nos seus primórdios, procurou a hegemonia política e religiosa, mas nunca advogou a completa destruição das outras religiões e culturas. A verdade é que o Império Islâmico constituiu a civilização mais avançada e tolerante do seu tempo       
Aliás, o Califado Islâmico caracterizou-se, precisamente, pela sua extraordinária tolerância religiosa e pela sua capacidade para absorver os contributos culturais de todos povos que integraram o seu espaço territorial e civilizacional. A prova que assim foi é, justamente, a secular permanência de fortes minorias cristãs na zona e a extraordinária preservação dos vestígios das grandes civilizações da Antiguidade.
A verdade é que o Daesh pode, agora, destruir estátuas milenárias, pela simples razão que ninguém as destruiu ao longo dos últimos três mil anos, apesar da hegemonia secular do islão na zona. Isto deveria dar que pensar a estes fanáticos, mas a verdade é que não vale a pena alimentar ilusões a esse respeito. 
Na Europa todos estes acontecimentos alimentaram um certo preconceito em relação ao Islão. O Islão surge agora associado, aos olhos da opinião pública, à intolerância e ao fanatismo. Já vimos que esta visão não corresponde à realidade. Veja-se só que, apesar de vastas regiões da Europa terem estado, num momento ou outro da sua História, sob o domínio de potentados islâmicos – é o caso da Península Ibérica, da Sicília e dos Balcãs – quase não sobreviveram minorias muçulmanas no Velho Continente, com exceção dos casos albanês, kosovar e bósnio.
Nos dois últimos casos referenciados, as populações muçulmanas foram mesmo alvo de limpeza étnica por parte de forças sérvias radicais. Na Península Ibérica, as populações muçulmanas - presentes no território peninsular desde o século VIII - foram quase inteiramente erradicadas, sendo a “expulsão dos mouriscos”, decretada em 1609, o episódio mais conhecido. A Europa não tem qualquer legitimidade histórica para dar lições de tolerância religiosa a quem quer que seja.
A respeito de lições, veja-se o que sucedeu no âmbito da chamada “Primavera Árabe”. Para o mundo ocidental, a “Primavera Árabe” era algo equiparável à “queda do Muro de Berlim”. O que é possível verificar após a queda dos regimes odiosos - mas apesar de tudo de natureza secular - da Líbia, do Iraque (cuja queda ocorreu num contexto diferente e numa data anterior), do Egipto e da Síria (que ainda resiste no quadro de uma guerra civil sangrenta), é que os sucessores dos ditadores podem não ser inteiramente recomendáveis.  
É difícil olhar para a Líbia, para o Egipto e para o Iraque e concluir que a democracia deu passos importantes nesses países. A opinião pública ocidental está hoje menos propensa a apoiar os movimentos de contestação no mundo islâmico. Nem sempre os que combatem um ditador o fazem em prol de ideais democráticos. O apoio ocidental ao regime militar egípcio é a prova que a ingenuidade, em relação à natureza da luta pelo poder no mundo islâmico, acabou.    
(artigo publicado no jornal Açoriano Oriental de 09/03/2015)

terça-feira, 28 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "Melhorar a capacidade portuária da ilha do Corvo"

A economia do mar é o vetor estratégico de desenvolvimento em que o país possui maiores vantagens e margem de progressão. Com a expansão da plataforma continental, Portugal transformar-se-á num país com cerca de 4.000.000 Km2 de jurisdição no Atlântico. Uma área enorme, que contém um enorme potencial mineral, energético, biológico, económico e geopolítico. Esta é aposta portuguesa para o futuro. 
No quadro desta estratégia global para Portugal, o contributo dos Açores é absolutamente decisivo no âmbito da dimensão territorial e geopolítica alcançada pelo país. O contributo açoriano para a gigantesca área marítima sob jurisdição portuguesa é de cerca de 2.600.000 km2. Isto significa que, a médio prazo, a capacidade, dispersão territorial e complementaridade da rede portuária dos Açores revelar-se-á fundamental enquanto âncora logística para a implementação de uma estratégia global relacionada com a exploração dos recursos do imenso mar açoriano. 
A rede portuária açoriana, cada vez com maior capacidade, modernidade e polivalência, está implantada num grande território insular contínuo que soma 179.500 km2 (cerca de duas vezes o território continental do país), considerando a zona entre os paralelos e meridianos da figura quadrangular mínima que envolve as ilhas. No âmbito deste vasto espaço, o Grupo Ocidental – que é justamente o responsável pela projeção da jurisdição portuguesa em cerca de um terço da ZEE açoriana e da imensa zona adjacente da plataforma continental - é o espaço que apresenta menor capacidade e maior vulnerabilidade em termos da infraestrutura portuária. 
Refira-se, a este respeito, que a ilha do Corvo se encontra na total dependência logística do vizinho Porto das Lajes das Flores. Esta situação constitui uma evidente vulnerabilidade na rede portuária regional. Interessa fortalecer e diversificar, do ponto de vista portuário, a capacidade logística do Grupo Ocidental. Resulta evidente concluir que a maior subzona sob jurisdição marítima nacional necessita de uma infraestrutura portuária polinucleada e de muito maior capacidade. 
Não se trata apenas de uma questão logística local. Esta matéria reveste-se de uma importância fulcral para a afirmação dos Açores e da soberania portuguesa neste vasto espaço atlântico. A pior coisa que nos poderá vir a suceder no futuro é a repetição da lógica infernal da “questão do Mapa Cor-de-Rosa”. Não pode voltar a suceder. 
Assim, resulta lógico concluir que a ilha do Corvo deve reforçar e diversificar a capacidade portuária oferecida pelo Porto das Lajes. Estes dois portos, logo que concretizada a ampliação da barra do Porto da Casa, constituirão uma plataforma especialmente vocacionada para implementar o esforço de exploração do mar açoriano no extremo ocidental da jurisdição marítima nacional.
Do ponto de vista dos interesses meramente locais as vantagens da ampliação da barra do Porto da Casa são, também, muito evidentes. No âmbito do tráfego comercial regional, o Corvo está totalmente dependente da função de entreposto desempenhada pela ilha vizinha. Esta situação fragiliza a economia local.
No que diz respeito às atividades piscatórias da ilha do Corvo encontram-se, em grande parte do ano, fortemente condicionadas devido às diversas vulnerabilidades apresentadas atualmente pelo Porto da Casa. Assim, não é de estranhar que o Porto da Casa não possua condições mínimas de navegabilidade durante cerca de metade do ano. Esta situação afeta drasticamente as condições de sobrevivência da comunidade piscatória local, submetida que fica, assim, a longos períodos de inatividade. 
Cabe, ainda, destacar o enorme potencial do turismo náutico na ilha do Corvo. Neste âmbito, as atuais valências e capacidade do Porto da Casa estão longe de oferecer qualquer perspetiva de futuro neste domínio. Neste sentido resulta lógico concluir qualquer projeto de expansão e modernização deste porto deve prever a criação de várias valências no âmbito do turismo náutico. 
Em síntese, o interesse nacional, regional e local convergem no sentido de se considerar crucial a necessidade de ampliar (alargar e prolongar o cais), modernizar e diversificar as valências do Porto da Casa. 
Vi aprovado um Projeto de Resolução na Assembleia Legislativa que assegura a concretização deste investimento no decorrer da atual legislatura. O Governo Regional comprometeu-se com a concretização do mesmo em 2015 (início das obras).Tenho de acreditar que o Governo dos Açores honrará a palavra dada.  
(artigo publicado no jornal Açoriano Oriental de 08/09/2014)

domingo, 26 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A adesão dos Açores à Organização Mundial do Turismo"

Organização Mundial do Turismo é um organismo especializado do Sistema das Nações Unidas. Constitui um fórum global para o debate das questões relacionadas com as políticas de turismo. A OMT “defende um turismo que contribua para o crescimento económico, para o desenvolvimento inclusivo e a sustentabilidade ambiental, e oferece liderança e apoio ao setor para expandir pelo mundo os seus conhecimentos e políticas turísticas”.
Neste contexto é ainda importante referenciar que “a OMT pugna pela aplicação do Código Ético Mundial para o Turismo, no sentido de maximizar a contribuição socioeconómica do sector, minimizando, em simultâneo, os seus possíveis impactos negativos”. 
A OMT integra, atualmente, 156 países (Membros Efetivos), seis territórios não responsáveis pelas suas relações externas (Membros Associados) e mais de 400 membros profissionais (Membros Afiliados), estes últimos representando associações do setor, empresas e instituições de educação e formação. 
Tal como consta do Programa do Governo, os Açores “têm atribuído uma importância cada vez maior ao setor turístico, encarando-o como motor de desenvolvimento da economia açoriana. Deste modo, o setor turístico constitui-se como um dos pilares da economia insular pelo seu papel na geração de riqueza e na criação de postos de trabalho”.  
No mesmo documento referencia-se que “o desenvolvimento do turismo nos Açores está, diretamente, dependente das acessibilidades aéreas e marítimas. Considerando a necessidade evidente de reforço dos fluxos turísticos para a Região, a atenuação da sazonalidade e a necessidade da captação de segmentos de mercado que valorizem o pacote de oferta e com maior capacidade de despesa, as ligações aéreas aos mercados emissores, a preços concorrenciais, assumem um papel fulcral na sustentabilidade do setor”. 
A Revisão das Obrigações de Serviço Público (OSP) de transporte aéreo de passageiros e mercadorias dos Açores para o Continente permite perspetivar um aumento considerável dos fluxos turísticos para a Região e a consequente expansão da importância relativa do setor no âmbito da economia açoriana.
Defendo, neste contexto, que importa reforçar a visibilidade externa e os mecanismos de cooperação internacional no âmbito do setor turístico açoriano. A entrada dos Açores como membro associado na Organização Mundial de Comércio, a exemplo do que já sucede, desde 1995, com a Região Autónoma da Madeira, constituiria um passo decisivo no sentido de concretizar uma estratégia de afirmação internacional neste setor tão estratégico para o nosso progresso económico.
Tal como no caso da UNESCO, os estatutos da organização contemplam a possibilidade de adesão de territórios não independentes, na qualidade de membros associados (integram essa categoria a Região Autónoma da Madeira, Macau, Flandres, Hong Kong, Aruba e Porto Rico). 
Assim, o ponto 1 do artigo 6.º dos Estatutos da OMT refere que “a qualidade de Membro Associado da organização é acessível a todos os territórios ou grupos de territórios que não assumem a responsabilidade das suas relações internacionais”. 
A forma como se processa o pedido de adesão à organização está descrita, com clareza, no ponto 3 do mesmo artigo: “os territórios ou grupos de territórios poderão tornar-se Membros Associados da Organização se a sua candidatura obtiver a aprovação prévia do Estado Membro que assume a responsabilidade das suas relações internacionais, a qual deve igualmente declarar, em seu nome, que aqueles territórios ou grupos de territórios adotam os Estatutos da Organização e aceitam as obrigações inerentes à qualidade de Membro. A Assembleia deve aprovar aquelas candidaturas por maioria de dois terços dos Membros Efetivos presentes e votantes, desde que a referida maioria compreenda a maioria dos Membros Efetivos da Organização”.
A forma humilhante como o Governo Regional está a ser afastado de desempenhar um papel minimamente decente no âmbito da política externa desenvolvida pelo Estado, só reforça a posição de todos aqueles que defendem que a Região deve integrar, diretamente, as organizações internacionais que são estratégicas para o nosso desenvolvimento e afirmação internacional. A adesão dos Açores à OMT tem este sentido estratégico.  
(artigo publicado no jornal Açoriano Oriental de 29/09/2014)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "Democracia ou Democracia"

O maior dos presidentes americanos, Abraham Lincoln, definiu a democracia e a liberdade como o “governo do povo, pelo povo e para o povo”. No momento em que proferiu este discurso memorável, Lincoln falava num cemitério militar. Honrava aqueles que tinham dado a sua vida pela liberdade dos outros. Vale a pena reproduzir, na íntegra, este notável discurso:
“Há 87 anos, os nossos pais deram origem neste continente a uma nova Nação, concebida na Liberdade e consagrada ao princípio de que todos os homens nascem iguais. Encontramo-nos atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra Nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar. Eis-nos num grande campo de batalha dessa guerra. Eis-nos reunidos para dedicar uma parte desse campo ao derradeiro repouso daqueles que, aqui, deram a sua vida para que essa Nação possa sobreviver. É perfeitamente conveniente e justo que o façamos.  
Mas, numa visão mais ampla, não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos santificar este local. Os valentes homens, vivos e mortos, que aqui combateram já o consagraram, muito além do que nós jamais poderíamos acrescentar ou diminuir com os nossos fracos poderes. O mundo muito pouco atentará, e muito pouco recordará o que aqui dissermos, mas não poderá jamais esquecer o que eles aqui fizeram.  
Cumpre-nos, antes, a nós os vivos, dedicarmo-nos hoje à obra inacabada até este ponto tão insignemente adiantada pelos que aqui combateram. Antes, cumpre-nos a nós os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente – que estes mortos veneráveis nos inspirem maior devoção à causa pela qual deram a última medida transbordante de devoção – que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que esses homens não morreram em vão, que esta Nação com a graça de Deus venha gerar uma nova Liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra.”
Nos nossos dias, a defesa da liberdade e da democracia não exige um sacrifício tão dramático. A defesa da democracia exige que todos cumpram o seu dever de cidadania, pelo qual tantos, ao longo da história, deram as suas vidas. O cumprimento desse dever honrará a memória de todos os democratas. Só por si, essa já seria uma razão, mais que suficiente, para votar.
No entanto, o governo do povo, pelo povo e para o povo não se coaduna com tibiezas na defesa da legitimidade das instituições democraticamente eleitas. Aqueles que defendem o voto em branco como forma de protesto são inimigos da liberdade e da democracia. Aqueles que defendem a abstenção como forma de protesto são inimigos da liberdade e da democracia.
Quem não concorda com as políticas do Governo, deve votar nos partidos da oposição. Quem não concorda com as alternativas dos partidos da oposição, deve votar no partido governamental. Quem não concorda nem com uns, nem com outros, tem o dever de criar alternativas democráticas, criando outros partidos ou outras formas de intervenção cívica.
Ficar em casa à espera que tudo se derrube. Ficar à espera – como alguns dizem – que chegue um novo Salazar, é absolutamente, rotundamente, condenável. Vivemos tempos difíceis. Nenhum governo possui a receita milagrosa para melhorar instantaneamente as coisas. Acredito que muitos governos fazem o melhor que sabem e podem. A única forma de melhorar o governo do povo pelo povo e para o povo é através da participação de todos no processo político. Todos devemos ser políticos.
Que moralidade têm, para criticar, aqueles que ficam em casa a protestar? Para mim, não têm nenhuma. No entanto, considero que a participação democrática, sendo um dever cívico, não deve ser imposta à custa da liberdade. A partir daí correríamos o risco de entrar numa espiral de medidas que, sendo inicialmente bem-intencionadas, teriam como consequência a imposição de uma democracia iluminada aos descrentes, aos niilistas ou aos menos informados.
O caminho da defesa da democracia começa num maior esforço de todos para dar respostas aos cidadãos. Começa nas escolas, reforçando a educação cívica. Ensinando o que custou a democracia. A democracia não é um dado adquirido. É necessário lutar por ela todos os dias do resto das nossas vidas. Não se esqueçam que a democracia é para todos. Só quando se ouvem os outros - e se age no sentido de resolver os seus problemas concretos - é que a democracia se cumpre.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 18/04/2015)

Artigo de Opinião: "Em defesa da criação da Euro-região da Macaronésia"

A política externa açoriana está hoje amplamente consensualizada no âmbito do sistema político açoriano. A consensualização obtida no âmbito da política externa representa uma poderosa mais-valia, uma vez que garante a consistência e a perenidade da ação desenvolvida pelos sucessivos governos regionais.
Uma das áreas consensualizadas no âmbito da política externa da Região é a importância atribuída à Macaronésia. O próprio Estatuto define, na alínea d) do artigo 124.°, o papel atribuído à Macaronésia na política externa regional: "Desenvolver parcerias com outras regiões ultraperiféricas, nomeadamente no âmbito de programas de cooperação territorial europeia e aprofundar a cooperação no âmbito da Macaronésia". 
Nesta perspetiva defendo que o Governo Regional dos Açores deve iniciar os procedimentos necessários para criar, em conjunto com os governos da Madeira e das Canárias, a Euro-região da Macaronésia. 0 Governo de Cabo Verde deverá ser convidado a participar com um estatuto especial. Este estatuto será, posteriormente, definido no futuro convénio da Euro-região, uma vez que a regulamentação relativa aos Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial (AECT) não permite que regiões ou países não pertencentes à União Europeia possam integrar estes agrupamentos territoriais cooperativos. 
Uma entidade deste género possuirá uma formidável projeção estratégica no triângulo marítimo que liga a Europa aos continentes americano e africano. Tudo isto valorizará, ainda mais, o que os Açores representam, por si só, enquanto centro nevrálgico desta área estratégica. A este respeito deve referir-se que a projeção estratégica do território desta Euro-região representa o único espaço relativamente aberto da União Europeia, na medida em que, atualmente, esta se encontra relativamente bloqueada nos vastos espaços marítimos do Mar do Norte - situação resultante do facto da Noruega, da Islândia, das ilhas Faroé e da Gronelândia não integrarem a União Europeia - e do Mediterrâneo (instabilidade política e falta de segurança nas rotas marítimas adjacentes). 
Uma Euro-região com estas características possuirá, para além do extraordinário potencial estratégico já descrito, a capacidade de gerar extraordinárias sinergias e complementaridades em áreas como os transportes, o ambiente, o turismo, a cultura, o património, o desporto, a iniciativa empresarial, a inovação, o comércio, a formação, a saúde, a agricultura e as pescas. Tudo isto no quadro de um mercado interno que somará uns respeitáveis 3 milhões de habitantes (2 de língua espanhola e 1 de língua portuguesa), algo que dará aos Açores massa crítica suficiente para se envolver em projetos europeus de grande dimensão no Atlântico. 
A Euro-região da Macaronésia, dotada deste vasto conjunto de recursos, terá obviamente, uma grande capacidade para captar investimento e obter consideráveis recursos financeiros na União Europeia. A este respeito é importante referir que os Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial possuem, como atribuições específicas, a execução de projetos de cooperação territorial cofinanciadas pela União Europeia.
Com estes mecanismos de financiamento comunitário e muitos outros de origem pública - projetados para a cooperação transfronteiriça, transnacional e inter-regional pelos Estados e regiões integrantes - a Euro-região poderá realizar um vasto conjunto de planos, estudos, programas e projetos, bem como gerir infraestruturas e prestar serviços de interesse público.
Por fim, é necessário assegurar a criação de mecanismos estatutários que permitam manter o equilíbrio político no seio da Euro-região, uma vez que são conhecidas as disparidades demográficas e económicas existentes entre os diversos arquipélagos que a integrarão. 
Neste sentido, espera-se que a vantagem decorrente da iniciativa dos Açores neste processo - e os excelentes mecanismos de cooperação que temos – possam assegurar a fixação da sede social da Euro-região no território regional. Os estatutos deste AECT atlântico deverão ainda prever disposições operativas, no âmbito dos seus órgãos de governo, destinados a manter o equilíbrio institucional e a assegurar o pluralismo da Euro-região em todas as áreas, nomeadamente no âmbito linguístico, político e económico.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 17/11/2014)

terça-feira, 21 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "Novamente a questão catalã"

A Espanha é claramente um Estado plurinacional, que reconhece na sua Constituição a existência de três nacionalidades: a basca, a catalã e a galega. Os catalães constituem uma nação claramente individualizada. Possuem língua e identidade cultural própria e contam com um percurso histórico diferenciado. 
Os Condados Catalães permaneceram formalmente dependentes do Reino de França até ao século XIII. O Condado de Barcelona passou a partilhar o mesmo monarca com o Reino de Aragão a partir do ano 1164. A Coroa de Aragão envolveu-se, ao longo da História, em vários conflitos militares contra Castela. Chegou mesmo a aliar-se com Portugal e Navarra (1449), no sentido de assim contrabalançar a hegemonia castelhana no quadro geopolítica peninsular.
Os Condados Catalães não foram anexados, do ponto de vista institucional, ao território do Reino de Aragão. Este último e a Catalunha (e mais tarde também os reinos de Valência e de Maiorca) constituíam entidades políticas diferentes, embora partilhando o mesmo monarca. Algo muito semelhante com o que sucedeu com o Reino de Portugal entre 1580 e 1640. Durante esse período, o Reino de Portugal nunca desapareceu enquanto entidade política diferenciada do Reino de Castela.
Aliás, o mesmo sucedeu, de uma forma geral, com o chamado “Reino de Espanha” até ao século XVIII. Do ponto de vista formal, o que hoje se designa por Espanha não era mais que uma espécie de “confederação” de reinos que partilhavam o mesmo monarca, mas que possuíam Cortes próprias, privilégios e quadros institucionais muito diferentes. Incluía o Reino de Castela, a Coroa de Aragão (que, por sua vez, incluía o Reino de Aragão propriamente dito, mas também o Principado da Catalunha, o Reino de Valência e o Reino de Maiorca), o Reino de Navarra e o Reino de Portugal (até 1640). 
Ou seja, a Espanha, enquanto realidade política unificada, data apenas do século XVIII. Durante séculos, as periferias peninsulares – a portuguesa, mas também a catalã – usufruíram de organizações estatais próprias. O seu desaparecimento – que quase teve consequências dramáticas também para Portugal – foi imposto através da força centralizadora de Castela.
A questão catalã nunca ficou inteiramente resolvida no quadro do Estado espanhol. Os catalães revoltaram-se - e obtiveram mesmo a independência, embora por curtos períodos de tempo - nos séculos XVII, XVIII, XIX e XX. É verdade que a Catalunha goza de um regime de autonomia no âmbito do Estado espanhol, mas para uma parte considerável da população catalã, essa autonomia não é suficiente. Muitos querem obter a independência política total da Catalunha. O atual Presidente da Generalitat, Artur Mas, agendou um referendo independentista. Contou, para esse efeito, com o voto favorável da esmagadora maioria dos deputados do Parlamento Catalão.
Qual é o problema então? A Constituição Espanhola não prevê a possibilidade de realização de uma consulta de carácter secessionista. Por aqui, nenhuma novidade. A maioria esmagadora das nações europeias independentes nunca o teriam sido se a Constituição do Estado onde se integravam tivesse sido respeitada (o caso escocês é uma exceção). Foram as circunstâncias políticas e a força da vontade popular que romperam os constrangimentos constitucionais. 
Estou convencido que a única possibilidade de ultrapassar o bloqueio do Estado espanhol à realização do referendo catalão é a convocação de eleições antecipadas para o Parlamento Catalão. O Estado espanhol não pode impedir esse sufrágio (só cancelando o estatuto de autonomia do território, mas a partir daí as coisas descontrolam-se nas ruas). Nessas eleições, as forças políticas independentistas apresentar-se-ão coligadas e com um único ponto programático para submeter ao sufrágio dos catalães: a independência da Catalunha. 
Se ganharem, a independência catalã será imparável. A opinião pública internacional passará a pressionar o Governo Espanhol para que aceite a independência da Catalunha. Em caso de bloqueio e de resistência por parte do Governo de Madrid, o Parlamento Catalão poderá proclamar unilateralmente a independência política. 
A curto e médio prazo, a nossa enorme experiência e longevidade como Estado ibérico independente servirá de referência para o novo Estado catalão. No fundo, o relógio da História retrocederá ao período que antecedeu a Batalha de Toro e às suas consequências geopolíticas posteriores.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 06/10/2014)

terça-feira, 14 de abril de 2015

Correio da Manhã: "PPM quer preservar sotaques e "falares" dos Açores"

"O PPM apresentou esta terça-feira no parlamento dos Açores uma resolução em que pede ao Governo Regional para tomar medidas urgentes que protejam e dignifiquem os sotaques das ilhas, assim como alguns termos que se usam no arquipélago.
O presidente do Partido Popular Monárquico (PPM) e deputado na Assembleia Legislativa dos Açores, Paulo Estêvão, lembrou que por causa do isolamento das ilhas, ao longo de séculos, "muita da linguagem popular açoriana é um exemplo de expressão arcaica, quer nos termos, quer na fonia dominante", havendo expressões e palavras "muito próximas da escrita" dos autores do século XVI.
Apesar do "tesouro cultural que constituem os diversos falares açorianos", que "integram o núcleo fundamental da identidade açoriana", existe um estigma em relação aos sotaques dos Açores, patente nos meios de comunicação social e a outros níveis institucionais, considerou Paulo Estêvão.
O deputado referiu que as televisões nacionais "legendam com frequência" reportagens feitas nos Açores, sobretudo na ilha de São Miguel, e que mesmo na emissão regional da televisão e rádio pública "a quase totalidade dos apresentadores e jornalistas expressam-se na modalidade padrão da língua portuguesa, em absoluto contraste com a as variantes linguísticas utilizadas pelos seus espetadores e ouvintes".
Esta "enorme pressão uniformizadora por parte da norma-padrão da língua portuguesa" estende-se, para Paulo Estêvão, ao "espaço institucional", como o parlamento dos Açores ou as escolas da região.
O deputado defendeu, por isso, na apresentação da resolução no plenário do parlamento dos Açores, a adoção "com urgência" de "medidas que contribuam para a proteção, dignificação, conhecimento e uso descomplexado dos diversos falares açorianos"."
In jornal Correio da Manhã

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Diário Insular: "Livros de Paulo Estêvão à disposição dos corvinos"

"Uma pequena biblioteca está disponível, deste ontem, nas instalações da Representação Parlamentar do PPM na Delegação da Assembleia Legislativa dos Açores no Corvo, reunindo cerca de 2.000 livros que o deputado Paulo Estêvão decidiu colocar à disposição da população local.
"Tendo em conta a disponibilidade de espaço e no sentido de dar pleno uso comunitário às ótimas instalações parlamentares de que dispõe a Representação Parlamentar do PPM, decidi - utilizando única e exclusivamente o espaço de gabinete e de arquivo que me foi diretamente disponibilizado - colocar à disposição da população residente no Corvo a minha própria biblioteca pessoal, que reúne cerca de 2.000 livros de diversas áreas, em especial de História, Direito, Economia e Política", refere o deputado numa nota divulgada ontem.
Segundo Paulo Estêvão, "o Corvo dispõe, neste momento, de duas boas bibliotecas: a Municipal e a da Escola Básica e Secundária Mouzinho da Silveira", pretendendo o novo espaço "apenas enriquecer e diversificar a oferta aos potenciais leitores locais, tendo em conta que se trata de uma oferta muito mais específica".
Por outro lado, a Representação Parlamentar do PPM pretende propor ao parlamento açoriano a disponibilização do espaço de videoconferência, nos momentos em que não esteja a ser utilizado pelos parlamentares, "para a lecionação de cursos e formações de interesse público relevante para a população e instituições locais", uma vez que "os cursos e formações disponibilizados na vertente presencial são muito pouco numerosos, diversificados e frequentes no Corvo"."
In jornal Diário Insular

terça-feira, 7 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A questão da redução do número de deputados"

A redução do número de deputados é uma questão recorrente junto da opinião pública. Em momentos de maiores dificuldades económicas e sociais, a questão é sempre colocada em cima da mesa por todos aqueles que não resistem à tentação, neste e noutros assuntos, de “surfar” o instinto antiparlamentar de alguns setores da opinião pública.
A verdade é que a instituição parlamentar nacional cometeu alguns erros – nomeadamente nas décadas de oitenta e noventa a propósito da criação das subvenções vitalícias e dos subsídios de reintegração parlamentares - que criaram, junto da população, a perceção de que os parlamentares produziram, para seu usufruto, um sistema de privilégios injustificados. Isto tendo em conta as enormes dificuldades com que se debate a grande maioria da nossa população e os baixos rendimentos da esmagadora maioria dos nossos trabalhadores e pensionistas.
Em 2005, a Assembleia da República e a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores colocaram – e bem – um ponto final a este conjunto de privilégios (o mesmo não sucedeu na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que continua a manter as subvenções vitalícias).
A atividade parlamentar deve ser vista como um serviço cívico, de caráter temporário, à nossa comunidade. Não se deve esperar retirar da mesma qualquer privilégio ou vantagem. Pelo contrário, o que é expectável – mas não desejável - é que prejudique, de alguma forma, as carreiras profissionais dos deputados, que durante o período de serviço cívico têm de secundarizar ou abandonar a sua atividade profissional. De qualquer forma, trata-se de uma atividade temporária que, em nenhum caso, se deve transformar numa espécie de empregoe muito menos representar um meio para adquirir privilégios temporários ou permanentes.
É por isso que considero que os deputados e os agentes políticos em geral devem agir com responsabilidade em relação aos seus compromissos com os eleitores. Neste artigo abordo, a título de exemplo, a questão do número de deputados a eleger no âmbito das eleições legislativas regionais.
Existe, nesta matéria, uma rede de interdependências e de pesos e contrapesos que torna muito difícil mexer com êxito nesta legislação. Qualquer alteração à lei eleitoral tem de ser aprovada por uma maioria qualificada de 2/3 no nosso Parlamento e ser depois submetida à apreciação e votação na Assembleia da República. Ou seja, nenhum partido está em condições, por si só, de alterar a lei eleitoral. A minha preocupação foi, nesta matéria, evitar o aumento do número de deputados a eleger para o nosso Parlamento e, se possível, obter mesmo uma redução significativa. Nesse sentido fui o primeiro, no final da legislatura anterior, a apresentar uma alteração à lei eleitoral que impedia o aumento, por via do significativo aumento do número de recenseados, de 57 para 64 deputados.
Nesta legislatura, fui o único deputado que apresentei uma iniciativa legislativa concreta para diminuir, de forma significativa, o número de deputados (de 57 para 41). Não foi possível obter os apoios necessários para aprovar a iniciativa (os tais 2/3) e por isso optei por apresentar uma outra proposta que visava fixar o número máximo de deputados nos atuais 57 e impedir, assim, um novo aumento, estimado em mais 7 ou 8 deputados. Esta última proposta foi aprovada por unanimidade no nosso Parlamento. Mesmo assim tive de insistir e utilizar uma figura regimental que obrigou a uma apreciação e votação imediata na Assembleia da Republica, que entretanto tinha colocado na gaveta dos esquecidos a legislação eleitoral que lhe tinha sido remetida dos Açores. Tudo isto representou uma autêntica Odisseia. Podia ter optado, como fazem tantos outros, por cruzar os braços, mas insisti e acautelei os interesses do nosso sistema democrático. Por sua vez, o Parlamento dos Açores agiu com o sentido responsabilidade que o caracteriza e distingue na maioria esmagadora das vezes. Na próxima legislatura, se ainda por cá andar, voltarei a tentar obter uma diminuição significativa do número de deputados.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 30/03/2015)

Artigo de Opinião: "Derrotar o regime"

Desde 1996 que combato politicamente o regime socialista açoriano e tudo o que ele representa. O PS ganhou, de facto, as eleições de 1996, mas não dispunha de maioria parlamentar. A minha opinião, na época, era que os partidos parlamentares de centro-direita açorianos deveriam ter impedido a formação de um Governo socialista. Como escrevi anteriormente, nunca tive qualquer tipo de dúvida em relação à natureza e vocação quase totalitária do poder partidário que estava a chegar e a assentar arraiais.
A História deu-me razão. Nas eleições legislativas de 2000, o PS obteve a primeira das quatro maiorias absolutas que já contabiliza desde então. O regime soma 20 anos de poder ininterrupto e continua a expandir o seu poder partidário em todo o território açoriano. Poucas são já as Câmaras Municipais que não são controladas pelo PS e a atividade associativa e cooperativa da sociedade civil açoriana está totalmente amordaçada e condicionada pelo poder governamental.
Não existe futuro profissional ou empresarial nos Açores para quem não for do PS ou não estiver próximo do poder. A liberdade de expressão é um luxo de que poucos podem usufruir. Nestas condições, importa perceber o que se pode fazer para forçar a alternância partidária e social no poder político e defender o pluralismo político. Na Madeira, a força partidária que hegemonizou o poder político ao longo de quase quatro décadas está, finalmente, em retrocesso. O colapso económico da Região Autónoma da Madeira e um processo de transição de poder caótico são dois dos fatores que explicam a possibilidade real de queda de um poder com quase quarenta anos.  
Nos Açores, pelo contrário, a transferência de liderança foi concretizada com muita maestria. O líder socialista cessante manteve o domínio do partido através da criação de um cargo quase monárquico: o de Presidente Honorário. Só que o cargo Presidente Honorário do PS/Açores representa muito mais que um poder simbólico e de prestígio. O Presidente Honorário do PS/Açores possui um quadro competências e uma blindagem estatutária que fazem do seu titular o verdadeiro detentor do poder partidário e, por pura osmose, uma espécie de chefe supremo do regime de matriz partidária que monopoliza o poder político nos Açores. Nos Açores, o regime não deixou cair o poder na rua, ao contrário do que parece estar a suceder na Madeira. 
Na Madeira, a oposição política rompeu as clivagens ideológicas e partidárias e está a enfrentar o regime de forma unida e coordenada. Resultou nas municipais e é um dado assente que muitos dos partidos da oposição madeirense surgirão integrados em duas ou três grandes coligações. Vamos ver como evolui o processo político madeirense. 
Estou convencido que nos Açores o Partido Socialista só poderá ser derrotado por uma coligação “inteligente e assimétrica” dos partidos da oposição parlamentar de centro-direita. O nosso sistema eleitoral não beneficia as coligações eleitorais, de matriz uniforme, em todos os círculos eleitorais. 
No círculo das Flores, por exemplo, o eleitorado tem optado por dar assento a três forças políticas em simultâneo. A eleição é muito fulanizada e a coligação de centro-direita é contraproducente, até porque elege dois dos três deputados do círculo quem tiver apenas mais um voto que o seu adversário mais próximo. 
Já no Pico e no Faial – círculos eleitorais quase herméticos e de resultado quase fechado – faz sentido uma coligação de dois dos três partidos parlamentares de centro-direita. Mas já nos grandes círculos da Terceira, São Miguel e Compensação – e só nestes – faz sentido uma coligação entre os três partidos parlamentares de centro-direita. Uma coligação deste tipo, mesmo somando apenas os fracos resultados de 2012, retiraria três deputados ao atual grupo parlamentar do PS e quase lograria derrubar a maioria absoluta do PS.
Estou absolutamente convencido que é possível derrotar o PS ou pelo menos quebrar a sua maioria absoluta através da elaboração de um quadro complexo de alianças eleitorais de círculo que potencie as vantagens de cada círculo e respeite o ambiente político prevalecente em cada ilha. Isto não tem de ser decidido num só campo batalha unificado, mas sim ganho numa guerra global de atrito disputada em 8 campos de batalha diferentes.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 29/12/2014)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A comissão"

Nas últimas semanas, a propósito da eleição do Presidente Comissão de Inquérito ao Transporte Marítimo de Passageiros e Infraestruturas Portuárias, o PS-Açores deixou-se arrastar para uma polémica inútil e desgastante, que revelou a impreparação da liderança da sua bancada parlamentar.
O que tinha o PS a ganhar com esta polémica? Nada, absolutamente nada! Pelo contrário, o que logrou passar para a opinião pública é que o Governo socialista e a Administração temem o resultado do Inquérito. O que explica então o posicionamento do Grupo Parlamentar do PS? Que objetivos políticos pretendia atingir? Que vantagens estratégicas pensava alcançar com o posicionamento que adotou? Perspetivou a evolução política da questão e a impossibilidade jurídica e política de sustentar a sua posição inicial?
A resposta a estas perguntas é fácil: nem sequer se deram ao trabalho de discutir e analisar detalhadamente a questão. Decidiram fazer a primeira coisa que lhes passou pela cabeça, de acordo com o instinto pavloviano que o nome do deputado indicado pelo PSD lhes despertou. Tudo o resto é apenas a história de um fracasso anunciado. Uma espécie de bónus pascal que o deputado Berto Messias se empenhou em oferecer à oposição política açoriana.
A narrativa do episódio é fácil de sintetizar. Criado o impasse, a Presidente do Parlamento decidiu, muito logicamente, solicitar um parecer jurídico. Como se esperava, o parecer jurídico elaborado pelo constitucionalista Rui Medeiros e pelo jurista António Cadilha (da sociedade de advogados Sérvulo e Associados), a respeito do regime de eleição da mesa da Comissão de Inquérito ao Transporte Marítimo de Passageiros e Infraestruturas Portuárias, arrasou, por completo, a posição do Grupo Parlamentar do PS. Vale a pena relembrar um pouco a lição oferecida pelos distintos juristas ao PS.
Diz o parecer que “na verdade, as comissões de inquérito são um instrumento fundamental para o exercício, seja pela Assembleia da República seja pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, de uma das suas mais importantes funções: a de vigiar o cumprimento da Constituição e das leis e de apreciar os atos do Governo e da Administração. Neste quadro, a doutrina reconhece unanimemente que tal instrumento está sobretudo vocacionado para ser usado pelas minorias como mecanismo de controlo parlamentar do exercício das tarefas governativas. Trata-se, portanto, como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, de um verdadeiro poder potestativo, que torna a constituição das comissões de inquérito independente do controlo da maioria parlamentar”.
Neste contexto, e no sentido de proteger a eficácia e a independência das comissões de inquérito, o parecer defende, muito logicamente, que o Partido requerente da comissão deve designar o respetivo presidente. Argumenta o parecer que “neste plano, um dos aspetos do funcionamento das comissões de inquérito que, em nossa opinião, carece de um regime particular, por forma a assegurar a eficácia desses instrumentos, prende-se com o modo de escolha do presidente da comissão. Quando este órgão auxiliar do parlamento tenha origem num requerimento apresentado por um quinto dos deputados – traduzindo-se, portanto, num instrumento de fiscalização da minoria parlamentar –, tal regime deverá assegurar que o presidente é escolhido por essa minoria, uma vez que tal constitui um elemento decisivo para que a comissão cumpra a função a que está destinada”.
Sustenta ainda o parecer jurídico que a designação do Presidente da Comissão por parte do Partido requerente “permite eliminar a possibilidade de, por via da recusa em apresentar um candidato para a presidência da comissão e da reprovação dos vários candidatos que sejam propostos por parte dos deputados requerentes, a maioria parlamentar possa exercer o seu direito de voto para, abusivamente, obstaculizar ao funcionamento deste órgão, protelando indefinidamente o seu início de funções”.Ora, era precisamente isto que o Grupo Parlamentar do PS estava a fazer neste caso em concreto: estava a obstaculizar e a protelar o funcionamento da Comissão.
Moral da história. O Grupo Parlamentar do PS teve de submeter-se a uma lição de democracia que normalmente está especialmente reservada aos Aiatolas deste mundo e, adicionalmente, garantiu que, de futuro, não voltará a presidir a comissões de inquérito da iniciativa da oposição. Bravo! Vou propor a atribuição de condecorações monárquicas para o Berto Messias e para o Miguel Costa.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 04/04/2015) 

Artigo de Opinião: "A feudalização do poder socialista nos Açores"

Os Açores estão hoje a viver uma crise económica e uma degradação da situação social que não tem precedentes na História da nossa autonomia. Não se trata aqui de escrever um artigo de crítica política gratuita. Estou a cumprir um imperativo de consciência. A dar voz a todos os que não têm voz. A dar cara por todos aqueles que a temem dar. A falar por todos os que já só têm energia para esboçar murmúrios de lamento e de discordância.
Estou chocado com o número de sem-abrigos e de pedintes que se multiplicam nas nossas cidades. Estou chocado com o número de pessoas que já só vivem da caridade alheia e de uma ocasional sopa de caridade. Estou chocado com os números gigantescos e brutais do desemprego real. Estou chocado com as perspetivas negras que incidem sobre a agricultura açoriana sem que o Governo Regional consiga reagir. Estou chocado com o desmantelamento e a destruição progressiva do sector das pescas. Estou chocado com a paralisia total do sector da construção civil.
Estou chocado com o desempenho de um Secretário da Saúde que soma já dois anos de esforços desesperados para desmantelar o serviço regional de saúde. Estou chocado com o desempenho governativo que colocou o sistema educativo regional e as nossas escolas no último lugar de todas as tabelas que medem o aproveitamento escolar dos nossos alunos.
Importa perguntar, enquanto tudo cai em nosso redor, onde está o Governo dos Açores? Apetece-me colocar, aqui e agora, um cartaz ao melhor estilo do faroeste a dizer: procura-se o Governo dos Açores, que se encontra em parte incerta. Posso dar algumas pistas. A última vez que se ouviu falar no governo socialista foi a propósito de um assunto inexistente e do envio de uma carta do presidente do Governo Regional para o líder da caótica bancada governamental no Parlamento.
Temo que, a este nível de regressão tecnológica, a próxima comunicação governamental nos chegue sob a forma de um papiro lido à luz das velas. Mas isto ainda pode piorar. Ainda esta semana vi o inefável líder parlamentar socialista, afundado em dificuldades próprias, esboçar uma espécie de sinais de fumo para Lisboa. É que o líder parlamentar do PS é uma espécie de cabo-de-guerra feudal. Manda avançar os peões para o massacre inicial e só depois, muito depois da batalha terminar, é que é possível, por entre a neblina da derrota, ver a silhueta intacta de um guerreiro que não compareceu no combate.
O que eu aqui acabei de descrever é apenas uma caricatura da descoordenação governamental e do poder partidário que lhe está associado. Num momento grave, em que se enfrentam dificuldades inauditas, os Açores necessitam de um Governo coordenado, ambicioso, competente e inovador. O que temos é muito diferente.
O governo e o poder socialista entrou num processo de feudalização. O atual Presidente do Governo Regional - sucessor do Carlos Magno açoriano que fugiu para Lisboa um pouco antes da borrasca - detém apenas um poder simbólico. No fundo, o que temos em vigor no poder açoriano é um triunvirato formado pelo Dr. Vasco Cordeiro, o Sr. Carlos César e o Dr. Sérgio Ávila. Não necessariamente por esta ordem.
Abaixo deles reina o caos, no âmbito do qual emergem – cada vez mais atrevidos e descarados – pequenos potentados locais. Nestas circunstâncias, cada um dos senhores feudais do poder socialista faz mais ou menos o que lhe passa pela cabeça e corre, rumo ao futuro, em pista própria.
Não existe hoje um governo unificado nos Açores. A ação governativa é apenas reativa e está muito longe de ter uma ação concertada e planeada no tempo. O Governo Regional assemelha-se a um navio decrépito, que decidiu lançar âncora no meio de uma tempestade. Neste cenário, os tripulantes têm como única função lançar baldes de água pela borda fora enquanto o navio se afunda cada vez mais. 
Nós, todos nós, somos os passageiros deste barco desgovernado, com a quilha já à mostra. Temos de salvar os Açores deste governo e perder qualquer ilusão de que este governo nos pode salvar. Libertar os Açores da situação calamitosa em que nos encontramos é uma tarefa grandiosa. É uma tarefa que exige o fim do poder político que se eternizou no governo dos Açores.
Pedir ao atual Governo que se demita talvez seja pedir demais a um partido que se enquistou e parasita atualmente o corpo da sociedade açoriana. Mas é um serviço patriótico que é exigível pedir a alguém que demonstrou, de forma insofismável, que não tem capacidade para resolver os graves problemas com que se confronta a sociedade açoriana.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 14/04/2015) 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "O Antiparlamentarismo"

Em 1947, no âmbito de um aceso debate parlamentar na Câmara dos Comuns e envolvido em vaias dos deputados trabalhistas, Winston Churchill afirmou, a propósito da democracia parlamentar, que “de facto, já houve quem dissesse que a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras que têm sido tentadas de quando em vez; contudo, nota-se, no nosso país, um sentimento muito difundido de que deve ser o povo a governar e a governar permanentemente, e de que a opinião pública, manifestada por todos os meios constitucionais, deveria moldar, guiar e controlar os atos dos ministros que são seus servos e não senhores". Esta definição churchilliana da democracia perdurou e continua a ser frequentemente citada. 
Winston Churchill sabia do que falava. Ele foi um dos grandes responsáveis pela derrota dos regimes ditatoriais e antiparlamentares liderados por Adolf Hitler e Benito Mussolini. A sua liderança carismática da Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial foi absolutamente fundamental para a sobrevivência da democracia parlamentar na Europa. 
Os seus adversários fascistas tinham ideias muito diferentes a respeito do regime parlamentar. O ministro da propaganda da Alemanha Nazi, Joseph Goebbels, definiu, assim, o antiparlamentarismo do partido Nazi: “Somos um partido antiparlamentar - por bons motivos - que recusamos a Constituição de Weimar e as instituições republicanas por ela criadas; somos inimigos de uma democracia falsificada, que incluiu, na mesma ordem, os inteligentes e os tontos, os aplicados e os preguiçosos; vemos, no atual sistema de maioria de votos e na organizada irresponsabilidade, a causa principal de nossa crescente ruína”.
Também o ditador Oliveira Salazar, em entrevista concedida a António Ferro em 1932, não escondeu o seu antiparlamentarismo: “Eu sou, de facto, profundamente antiparlamentar porque detesto os discursos ocos, palavrosos, as interpelações vistosas e vazias, a exploração das paixões não à volta duma grande ideia, mas de futilidades, de vaidades, de nadas sob o ponto de vista do interesse nacional”.
A lista de ditadores, de políticos extremistas, de académicos misantropos, de populistas e de generais golpistas que produziram tiradas histéricas contra o sistema parlamentar democrático é demasiado longa para que possa ser citada num artigo de opinião com estas características. Só tenho mais uma entrada disponível para hoje. Trata-se do Secretário Regional da Educação e Cultura, Avelino Meneses, que, no âmbito de uma intervenção dirigida aos jovens do ensino básico que participavam no Parlamento dos Jovens, decidiu “enaltecer” os valores da democracia parlamentar através do seu próprio e intransmissível testemunho pessoal. 
Disse-lhes para participarem, em nome do ideal de cidadania que estava associada ao evento parlamentar, no “mais triste dos espetáculos, ou seja, o espetáculo da vitória do interesse pessoal sobre a convivência coletiva, do insulto sobre a decência, da estupidez sobre a inteligência”. E pronto, citados Salazar, Mussolini e Goebbels, o novel Secretário da Mocidade Portuguesa esgueirou-se do “hemiciclo do mal” e lá foi, contente e feliz, sem sequer se dar ao trabalho de escutar as intervenções dos jovens deputados a quem tinha acabado de dirigir a sua aula magistral.  
Nos dias seguintes, o Secretário Regional socialista foi incensado nas redes sociais – onde se organizam autos-de-fé diários, para delírio da populaça que adora o doce odor de carne queimada de deputados, tendo em conta a raridade contemporânea de judeus e de bruxas – e em alguma opinião publicada. 
O antiparlamentarismo é recorrente nos períodos de maiores dificuldades económicas e sociais. Nestas circunstâncias, os parlamentares - de todos os países e de todas as épocas - são alvos fáceis para todos os que querem iniciar uma carreira de ditador ou apenas sobreviver nas águas fétidas do populismo que parasita a inteligência dos cidadãos. É verdadeiramente chocante que um Partido como o PS, fundador do atual sistema parlamentar português, tenha decidido apoiar as afirmações antiparlamentares do Secretário da Educação. Quem semeia ventos, colhe tempestades, diz o bom povo português. Não tenho dúvidas que é esse o género de colheita que o futuro reserva ao PS/Açores.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 23/03/2015) 

Artigo de Opinião: "A Geopolítica Açoriana e a Opção Chinesa"

Os Açores e a sua enorme área de jurisdição marítima, sem potências com direitos de jurisdição conflituantes na nossa fronteira, representam, na atualidade, a derradeira âncora de sobrevivência geopolítica do país enquanto Estado relevante na comunidade internacional. Os Açores tornaram possível o tal país dos 4 milhões de km2, cerca de metade da área do Brasil Sem os Açores, o país nem sequer teria um papel regional a desempenhar. Sem o horizonte a perder de vista que os Açores representam para o futuro, Portugal teria muito mais dificuldade em libertar-se das dinâmicas políticas e estratégicas meramente peninsulares.  
O outro ator que está associado ao potencial geopolítico dos Açores é sempre a potência naval e atlântica dominante, papel que nos nossos dias é desempenhado pelos Estados Unidos. Aos Estados Unidos interessa manter uma presença militar permanente. Não podem permitir-se o luxo de sair em definitivo. Na geopolítica não existem vazios. Um poder em retirada é sempre substituído por outra potência. Também não existem acasos na diplomacia externa, muito menos na cuidadosa e muito planificada política externa chinesa. 
Quando uma potência como a China realiza, num tão curto espaço de tempo, duas visitas de altíssimo nível a um território como os Açores, a conclusão que se deve retirar é que os Açores interessam geopoliticamente à China, por razões evidentes. Têm enormes interesses em África e já perceberam que é difícil assegurar seja o que for numa região tão instável politicamente. Os Açores têm todas as condições para servirem de plataforma de projeção militar na África Ocidental e também de grande entreposto comercial no espaço atlântico.
No curto espaço de 20 anos, a China passará a ser o maior importador do petróleo do Médio Oriente e passará, também, a ser a potência que terá mais a perder com uma eventual destabilização da zona. Interessa-lhe, por isso, ter mecanismos de projeção de poder militar na zona. O problema é que não é fácil fazê-lo a partir do Índico. A Índia, potência rival, não tolerará a instalação de bases chinesas a oeste do seu território. O Corno de África é quase ingerível e a China também não tem a possibilidade de contar com um território como Diego Garcia. Neste contexto, os Açores representam uma hipótese sólida para construir uma plataforma de intervenção logística.
Por fim, é preciso ter em conta que os americanos possuem a jurisdição de territórios insulares do Pacífico muito próximos da costa chinesa, pelo que a China veria com muitos bons olhos a criação de um cenário simétrico junto da costa atlântica dos Estados Unidos. 
Nestas circunstâncias, temos vindo a defender que os americanos devem escolher um de dois cenários: ou ficam nas Lajes com uma presença militar significativa e com contrapartidas reais para os Açores ou então não ficam de todo. A manutenção de uma base militar adormecida, praticamente a custo zero, não é aceitável para os Açores. 
Estamos absolutamente convencidos que é do interesse dos Estados Unidos ficar. A política externa do Presidente Obama está a revelar-se um completo desastre. O Leste europeu está em convulsão e o Médio Oriente em combustão absoluta. A curto prazo, a política externa norte-americana sofrerá, estamos absolutamente convencidos disso, alterações profundas, no sentido de se tornar mais reativa. Nessa conjuntura, a Base das Lajes constitui um ativo geopolítico incontornável. 
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 28/07/2014) 

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A Última Linha de Defesa"

A evolução recente do discurso norte-americano sobre a Base das Lajes possui uma natureza claramente mercantil. Desvaloriza a importância geoestratégica da Base das Lajes até ao ponto de admitir o seu abandono para, logo a seguir, “aceder em ficar” no quadro de uma muito substancial redução dos efetivos militares, da componente logística e do número de trabalhadores portugueses afetos à Base das Lajes (ou seja, a demolição do que resta da componente laboral portuguesa). Estão a fazer bluff.
No atual quadro das relações internacionais os Estados Unidos são a maior potência, mas não a única. Tal como sucedeu com todas as potências hegemónicas da História – a começar por a que a antecedeu: o Império Britânico –, a verdade é que não é possível aos Estados Unidos regressar a uma política externa isolacionista. Isso foi, em parte, possível no período entre Guerras do século XX, na medida em que a Grã-Bretanha assegurava, nessa época, o papel de potência global. Foi à Grã-Bretanha que coube o papel de tentar manter a estabilidade do sistema internacional nas décadas de vinte e trinta do século passado. 
A História demonstrou que, naquele período, essa era uma tarefa que superava a capacidade económica e militar dos britânicos. Foi esse facto e essa incapacidade que “obrigou” os Estados Unidos a assumir a sua dimensão de potência global ainda no decorrer da II Guerra Mundial. Não existia, e continua a não existir, alternativa real para um país com interesses económicos globais. 
O grande desafio atual dos Estados Unidos não é diferente da situação internacional que enfrentaram todos os poderes hegemónicos anteriores: como manter a estabilidade e a “preponderância” no sistema internacional de Estados sem alargar demasiado a logística militar e o consequente esforço financeiro que lhe está subjacente? 
Nos últimos anos, esta questão tem merecido uma reflexão aprofundada no mundo académico, político e militar norte-americano. As conclusões não são completamente unânimes, mas é possível assinalar três grandes linhas de convergência entre as reflexões geopolíticas mais influentes: 
1 – A logística militar norte-americana é, de facto, demasiado extensa e dispendiosa. Segundo dados revelados pelo próprio Departamento da Defesa Norte-americano, os Estados Unidos possuíam, até há bem pouco tempo, cerca de 760 bases, espalhadas por 40 países. A médio prazo, a manutenção deste enorme esforço logístico acabará por afetar a base produtiva do país. Nessa perspetiva, é necessário fazer escolhas e estabelecer prioridades no contexto de uma redução progressiva de responsabilidades militares no exterior; 
2 – Em qualquer cenário, os Estados Unidos devem evitar situações de atrito permanente com os novos poderes emergentes (China, Índia, Rússia ou o Brasil). A médio prazo, o esforço que seria necessário realizar nos diversos teatros regionais afetaria gravemente a capacidade económica do país. A opção é jogar tudo na manutenção dos equilíbrios regionais em detrimento de uma ideia de hegemonia incontestada em todas as áreas do globo; 
3 – Manter opções fortes no Atlântico, Mediterrâneo e Médio Oriente. As intervenções militares mais dispendiosas dos Estados Unidos, nos últimos vinte anos, foram efetuadas precisamente nestas zonas do mundo, no sentido de evitar qualquer rutura do equilíbrio regional. 
Em síntese, é absolutamente certo que os Estados Unidos pretendem reduzir as despesas militares no exterior. Não é, no entanto, correta a asserção de que os Estados Unidos estão disponíveis para abandonar posições no Atlântico, no sentido de posicionar forças militares no Pacífico e no Índico para conter a China e a Índia. 
A Base das Lajes constitui, neste contexto, a retaguarda segura de que os americanos não podem abrir mão. Tudo pode correr mal no Mediterrâneo, em especial no albergue espanhol. Retirar da Base das Lajes é ficar sem um plano de contingência entre Nova Iorque e a bacia do Mediterrâneo e deixar a porta aberta para a instalação de um entreposto comercial chinês destinado a assegurar a viabilização de uma espécie de rota da seda chinesa entre a zona do Canal do Panamá (ou da Nicarágua) e os mercados europeu e africano.
Os americanos não têm cartas para sustentar este bluff, a menos que do outro lado esteja um imbecil com jogo para ganhar, mas com instinto de perdedor. Temo que possa ser esse o caso.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 26/01/2015) 

Artigo de Opinião: "A Monarquia Socialista"

O enorme desfasamento entre a realidade percecionada pelo poder governamental socialista e o que realmente se está a passar na sociedade açoriana constitui um indício irrefutável de que este ciclo governativo se encontra amplamente esgotado.
As dificuldades que a maior parte da sociedade açoriana está a enfrentar são, neste momento, extremas. Trata-se já – para muitos – de pura sobrevivência. Trata-se, tão-somente, de ter o suficiente para servir uma refeição decente aos filhos e de ter algum dinheiro para pagar a luz e a água. São milhares os que vivem nesta situação limite.
 Para outros, a antiga classe média, a batalha de cada mês é conseguir reunir a verba necessária para assegurar a permanência dos filhos na Universidade. Cada vez são mais os que não conseguem alcançar esse desiderato. Para esses pais, a humilhação e a revolta é profunda.
Para muitos pais, o drama é agora outro. Depois de vários anos de sacrifícios financeiros extremos, os seus filhos enfrentam agora o desemprego ou a colocação em programas ocupacionais pagos, miseravelmente, por um Governo socialista que só quer maquilhar as estatísticas arrasadoras que os Açores enfrentam. Compreendo a exasperada revolta dos pais que, tendo passado sacrifícios inimagináveis para pagar a formação dos seus filhos, observam agora como os filhos dos sátrapas do regime socialista ocupam, alegremente, os poucos cargos qualificados que restam na sociedade açoriana. 
Sinto que alguma coisa de muito grave está para suceder nas ilhas que enfrentam desigualdades sociais gritantes, como é o caso de São Miguel e da Terceira. Nestas ilhas, as tensões sociais estão ao rubro. Não existem meios e, sobretudo, não existe qualquer réstia de esperança num futuro melhor. Nestas condições, o desespero acabará por atear, a curto prazo, o rastilho da revolta e da contestação violenta. 
Mas se tudo isto me parece evidente, para o regime os dias correm com a alegre tranquilidade de sempre. Na aparentemente bucólica Corte socialista, o tempo é de intrigas e de jogadas palacianas. O sofrimento do povo é inaudível para este grupo de cortesãos que abocanham os recursos do povo açoriano.  
O anterior Presidente do Governo Socialista “deixou tudo atado e bem atado”. A verdade é que o Vasco Cordeiro quase não tem espaço de afirmação política autónoma. Existem amplos sectores da administração regional que estão visivelmente vedados à sua ação direta. Locais em que um qualquer condottiero impõe a sua lei. O Vasco Cordeiro ainda não conseguiu libertar-se do homem que o escolheu e do sistema de pesos e de contrapesos que esse mesmo homem teceu ardilosamente em seu redor.  
O homem que o escolheu não calçou as pantufas ou ingressou num mosteiro à boa maneira de Carlos V. Esse homem, Carlos César, escolheu governar vitaliciamente o PS/Açores e, através dele, os Açores. Não está, evidentemente, definido como vitalício o cargo de Presidente Honorário do PS/Açores – com a agravante do cargo possuir um conjunto vastíssimo de competências executivas, nomeadamente a de presidir à comissão regional e a de acumular as funções de Presidente do Partido em caso de ausência ou impedimento prolongado do respetivo titular - embora se constate que assim é de facto. 
Veja-se que, de acordo com o n.º 1 do artigo 38.º dos Estatutos do PS/Açores, o mandato do Presidente Honorário é automaticamente renovado quando a Comissão Regional”, a que ele próprio preside, “não delibere a inscrição da sua eleição ou destituição na ordem de trabalhos do Congresso”. Ainda assim, a destituição “só pode ocorrer maioria de dois terços dos votos expressos”. Note-se, ainda, que é o Presidente Honorário que preside ao Congresso, elabora a respetiva convocatória e propõe os membros que integrarão a Mesa do Congresso.
Por aqui se conclui que o Presidente Honorário do PS/Açores poderá permanecer em funções, sem ser reeleito e se ter de submeter a novo escrutínio, de forma vitalícia (os mecanismos de destituição estão, na prática, bloqueados pelo titular do cargo). O mandato é automaticamente renovado, por simples inércia. Esta “monarquia de facto, mas não de direito” que se instalou no PS/Açores é, em última análise, a causa da ruína desse partido. Impede qualquer renovação de políticas e bloqueia qualquer processo de reforma interna. O PS/Açores assemelha-se, assim, a um grande sarcófago, construído para eternizar a influência e a presença física e espiritual de um líder que não quer deixar de o ser.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 23/02/2015) 

Artigo de Opinião: "O Problema Alemão"

Durante séculos, o Sacro Império Romano-Germânico, entidade imperial fundada na Idade Média, agregou centenas de pequenos reinos, principados, ducados, condados, cidades livres e outras entidades político-territoriais de pequena dimensão. Apesar da enorme dimensão territorial do Império – que na sua máxima extensão integrava uma parte muito significativa da Europa Central, incluindo muitas populações de língua não alemã –, a verdade é que, ao longo de grande parte da sua História, as sucessivas casas imperiais que o dirigiram (o cargo imperial não era hereditário), possuíam apenas um poder nominal e simbólico.
Imperadores como Frederico II (1220-1250) e Carlos V (1519-1556) exerceram, de facto, uma influência e proeminência política real. Porém, em ambos os casos, os recursos com que contaram para afirmar a sua supremacia tiveram origem no exterior das fronteiras originais do Império. No primeiro caso, no Reino da Sicília e no segundo, na Espanha, nos territórios borgonheses e da Casa de Habsburgo de que Carlos V também era titular.
Seja como for, a vulnerabilidade e falta de coesão política do Primeiro Reich – que nunca foi visto como uma entidade exclusivamente germânica - impediu o surgimento de uma verdadeira supremacia “alemã” ao longo de toda a sua vigência (962-1806). Pelo contrário. A França, a Suécia, a Polónia, a Dinamarca e até a Grã-Bretanha anexaram e controlaram vastos territórios do Império. 
A rápida industrialização que se verificou no território alemão ao longo do século XIX e a unificação política do país (com exceção das zonas alemãs que permaneceram no Império Austro-Húngaro), ocorrida em 1871 (início do Segundo Reich), alteraram, de forma permanente, o equilíbrio de poder na Europa. É a partir desse momento que a Alemanha começa a constituir um problema para o equilíbrio europeu. Em poucas décadas, a Alemanha logrou tornar-se no Estado europeu mais forte.
Durante a Primeira Guerra Mundial, uma formidável coligação de grandes potências europeias e os Estados Unidos lograram conter o poder alemão, apesar do território alemão ter escapado a uma invasão militar e do exército alemão não ter sido inteiramente esmagado. Durante o período entre guerras, as forças nacionalistas, com destaque para o Partido Nazi liderado por Adolf Hitler, alimentaram a lenda “da facada nas costas” infligida ao povo e ao exército alemão.
 Depois da subida ao poder do Nacional-Socialismo (1933), a Alemanha voltou a desenvolver uma política externa expansionista, desencadeando assim a Segunda Guerra Mundial. Tal como no primeiro conflito mundial, a Alemanha foi novamente parada por uma extraordinária coligação de grandes potências (a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a URSS). Desta vez, o exército alemão foi integralmente destruído e o território alemão sujeito a uma devastadora destruição causada pelos bombardeamentos aéreos e pela invasão terrestre das tropas aliadas, com particular destaque para o exército soviético.
A Alemanha perdeu, nos dois conflitos mundiais, cerca de 180 000 km² (o equivalente a duas vezes o território de Portugal), ficando assim reduzida à dimensão de um Estado médio europeu, com apenas 357 021 km². A verdade é que, mesmo na versão territorial mais reduzida da sua História, a Alemanha voltou a conseguir hegemonizar económica e politicamente a Europa. 
Na minha opinião, os alemães estão, novamente, a fazer um uso imoderado do seu enorme potencial e a colocar-se numa situação insustentável. O seu império informal, a União Europeia, corre o risco de implodir devido às políticas de austeridade que o Governo alemão está a impor. Por outro lado, a política de expansão económica alemã na Ucrânia corre o risco de provocar um conflito de enorme gravidade com o gigante militar russo. A questão do momento na Europa é saber se desta vez a Alemanha conseguirá conter a sua ambição. Se não o fizer, o resultado não será muito diferente do registado nas duas ocasiões anteriores.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 16/03/2015)

Artigo de Opinião: "O Mapa Azul"

O jornal espanhol El País divulgou, no início desta semana, a proposta de extensão da plataforma continental, referente à zona económica exclusiva das Canárias, que Madrid entregou a 17 de dezembro na Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas. A proposta espanhola reivindica a jurisdição do leito e do subsolo do mar além das 200 milhas, de uma área de 296.500 quilómetros quadrados.
A notícia avança, também, que uma parte da área agora reivindicada pelo Estado espanhol – cerca de 10 mil quilómetros quadrados a sudoeste da Madeira, junto das ilhas Selvagens – integra o projeto de extensão da plataforma continental apresentado por Portugal em 2009, que aguarda, desde essa data, uma deliberação das Nações Unidas.
A mesma notícia avança com mais dois dados significativos: a região marítima reivindicada a Portugal por parte da Espanha é, presumivelmente, rica em gás natural e petróleo e que a Espanha espera dividir salomonicamente esse território. A outra questão referenciada na notícia é, desde há muito tempo, conhecida da diplomacia portuguesa. A Espanha considera que as Selvagens são rochedos e não ilhas. A consequência prática deste posicionamento é que a Espanha não reconhece a zona económica exclusiva portuguesa associada às ilhas Selvagens. 
É perturbante pensar como tudo isto se começa a assemelhar às circunstâncias e ao contexto que o nosso país teve de enfrentar na chamada questão do mapa cor-de-rosa. 
No final do século XIX, o governo português da época elaborou um mapa com as reivindicações territoriais portuguesas na África Austral. O território reivindicado por Portugal (que estava pintado a cor-de-rosa, daí a designação com que ficou para a História) integrava, no domínio português, o território que se situava entre as colónias de Angola e Moçambique, criando assim um vasto domínio colonial ininterrupto entre a Costa Ocidental Africana e o Índico. 
O resto da História é bem conhecido. A Grã-Bretanha, através de um ultimato ultrajante, obrigou o país a retirar qualquer reivindicação sobre o território africano que ligava Angola a Moçambique. A questão é apontada como uma das causas do desprestígio da monarquia. A verdade é que não restava outro caminho ao Governo Português a não ser ceder e assim preservar as grandes colónias de Angola e Moçambique. O país não tinha qualquer possibilidade de enfrentar uma guerra com a grande potência da época: a Grã-Bretanha. 
O mesmo sucedeu à França em 1898, no chamado Incidente de Fachoda. Confrontada com um ultimato britânico, no sentido de retirar do Sudão, a França acabou por aceitar retirar as suas tropas do local disputado. No essencial, a questão tinha a mesma natureza estratégica do confronto anglo-português. A expansão do domínio africano francês do Senegal ao Mar Vermelho colocava em causa o almejado projeto britânico de domínio colonial ininterrupto entre o Cairo e o Cabo). Era assim a realpolitik do século XIX.
Neste século, Portugal – graças à extraordinária localização dos Açores – elaborou um novo mapa de expansão territorial que representa uma enorme esperança para o futuro da nação e do povo açoriano. Desta vez o mapa é azul e representa uma enorme área de soberania e de jurisdição marítima, com cerca de quatro milhões de quilómetros quadrados (um território marítimo que representa metade da área continental dos Estados Unidos, com exceção do Alasca).
A reivindicação espanhola - que surge a poucos meses da deliberação da Comissão de Limites da Plataforma Continental das Nações Unidas sobre a proposta portuguesa de extensão da Plataforma Continental (o nosso mapa azul) - representa um ato hostil.
 É muito provável que algumas potências atlânticas estejam, neste momento, a mover enormes pressões junto das Nações Unidas para impedir que Portugal se aproprie de cerca de 4% do leito e do subsolo do Oceano Atlântico. O nosso mapa azul pode vir a ser consideravelmente recortado por razões exclusivamente políticas e económicas, deitando assim por terra os melhores argumentos científicos. 
No que diz respeito ao ato de pirataria espanhola, a diplomacia portuguesa não deve, para já, aceitar negociar seja o que for com este executivo espanhol. O Governo conservador espanhol está à beira de enfrentar uma derrota de enormes proporções contra a esquerda tradicional e populista que emerge através do fenómeno Podemos. O sistema político espanhol entrou em colapso e é provável que o desafio independentista catalão e basco se radicalize. A negociação pode esperar.
(publicado no jornal Açoriano Oriental do dia 05/01/2015)