terça-feira, 21 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "Novamente a questão catalã"

A Espanha é claramente um Estado plurinacional, que reconhece na sua Constituição a existência de três nacionalidades: a basca, a catalã e a galega. Os catalães constituem uma nação claramente individualizada. Possuem língua e identidade cultural própria e contam com um percurso histórico diferenciado. 
Os Condados Catalães permaneceram formalmente dependentes do Reino de França até ao século XIII. O Condado de Barcelona passou a partilhar o mesmo monarca com o Reino de Aragão a partir do ano 1164. A Coroa de Aragão envolveu-se, ao longo da História, em vários conflitos militares contra Castela. Chegou mesmo a aliar-se com Portugal e Navarra (1449), no sentido de assim contrabalançar a hegemonia castelhana no quadro geopolítica peninsular.
Os Condados Catalães não foram anexados, do ponto de vista institucional, ao território do Reino de Aragão. Este último e a Catalunha (e mais tarde também os reinos de Valência e de Maiorca) constituíam entidades políticas diferentes, embora partilhando o mesmo monarca. Algo muito semelhante com o que sucedeu com o Reino de Portugal entre 1580 e 1640. Durante esse período, o Reino de Portugal nunca desapareceu enquanto entidade política diferenciada do Reino de Castela.
Aliás, o mesmo sucedeu, de uma forma geral, com o chamado “Reino de Espanha” até ao século XVIII. Do ponto de vista formal, o que hoje se designa por Espanha não era mais que uma espécie de “confederação” de reinos que partilhavam o mesmo monarca, mas que possuíam Cortes próprias, privilégios e quadros institucionais muito diferentes. Incluía o Reino de Castela, a Coroa de Aragão (que, por sua vez, incluía o Reino de Aragão propriamente dito, mas também o Principado da Catalunha, o Reino de Valência e o Reino de Maiorca), o Reino de Navarra e o Reino de Portugal (até 1640). 
Ou seja, a Espanha, enquanto realidade política unificada, data apenas do século XVIII. Durante séculos, as periferias peninsulares – a portuguesa, mas também a catalã – usufruíram de organizações estatais próprias. O seu desaparecimento – que quase teve consequências dramáticas também para Portugal – foi imposto através da força centralizadora de Castela.
A questão catalã nunca ficou inteiramente resolvida no quadro do Estado espanhol. Os catalães revoltaram-se - e obtiveram mesmo a independência, embora por curtos períodos de tempo - nos séculos XVII, XVIII, XIX e XX. É verdade que a Catalunha goza de um regime de autonomia no âmbito do Estado espanhol, mas para uma parte considerável da população catalã, essa autonomia não é suficiente. Muitos querem obter a independência política total da Catalunha. O atual Presidente da Generalitat, Artur Mas, agendou um referendo independentista. Contou, para esse efeito, com o voto favorável da esmagadora maioria dos deputados do Parlamento Catalão.
Qual é o problema então? A Constituição Espanhola não prevê a possibilidade de realização de uma consulta de carácter secessionista. Por aqui, nenhuma novidade. A maioria esmagadora das nações europeias independentes nunca o teriam sido se a Constituição do Estado onde se integravam tivesse sido respeitada (o caso escocês é uma exceção). Foram as circunstâncias políticas e a força da vontade popular que romperam os constrangimentos constitucionais. 
Estou convencido que a única possibilidade de ultrapassar o bloqueio do Estado espanhol à realização do referendo catalão é a convocação de eleições antecipadas para o Parlamento Catalão. O Estado espanhol não pode impedir esse sufrágio (só cancelando o estatuto de autonomia do território, mas a partir daí as coisas descontrolam-se nas ruas). Nessas eleições, as forças políticas independentistas apresentar-se-ão coligadas e com um único ponto programático para submeter ao sufrágio dos catalães: a independência da Catalunha. 
Se ganharem, a independência catalã será imparável. A opinião pública internacional passará a pressionar o Governo Espanhol para que aceite a independência da Catalunha. Em caso de bloqueio e de resistência por parte do Governo de Madrid, o Parlamento Catalão poderá proclamar unilateralmente a independência política. 
A curto e médio prazo, a nossa enorme experiência e longevidade como Estado ibérico independente servirá de referência para o novo Estado catalão. No fundo, o relógio da História retrocederá ao período que antecedeu a Batalha de Toro e às suas consequências geopolíticas posteriores.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 06/10/2014)