quinta-feira, 2 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "O Antiparlamentarismo"

Em 1947, no âmbito de um aceso debate parlamentar na Câmara dos Comuns e envolvido em vaias dos deputados trabalhistas, Winston Churchill afirmou, a propósito da democracia parlamentar, que “de facto, já houve quem dissesse que a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras que têm sido tentadas de quando em vez; contudo, nota-se, no nosso país, um sentimento muito difundido de que deve ser o povo a governar e a governar permanentemente, e de que a opinião pública, manifestada por todos os meios constitucionais, deveria moldar, guiar e controlar os atos dos ministros que são seus servos e não senhores". Esta definição churchilliana da democracia perdurou e continua a ser frequentemente citada. 
Winston Churchill sabia do que falava. Ele foi um dos grandes responsáveis pela derrota dos regimes ditatoriais e antiparlamentares liderados por Adolf Hitler e Benito Mussolini. A sua liderança carismática da Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial foi absolutamente fundamental para a sobrevivência da democracia parlamentar na Europa. 
Os seus adversários fascistas tinham ideias muito diferentes a respeito do regime parlamentar. O ministro da propaganda da Alemanha Nazi, Joseph Goebbels, definiu, assim, o antiparlamentarismo do partido Nazi: “Somos um partido antiparlamentar - por bons motivos - que recusamos a Constituição de Weimar e as instituições republicanas por ela criadas; somos inimigos de uma democracia falsificada, que incluiu, na mesma ordem, os inteligentes e os tontos, os aplicados e os preguiçosos; vemos, no atual sistema de maioria de votos e na organizada irresponsabilidade, a causa principal de nossa crescente ruína”.
Também o ditador Oliveira Salazar, em entrevista concedida a António Ferro em 1932, não escondeu o seu antiparlamentarismo: “Eu sou, de facto, profundamente antiparlamentar porque detesto os discursos ocos, palavrosos, as interpelações vistosas e vazias, a exploração das paixões não à volta duma grande ideia, mas de futilidades, de vaidades, de nadas sob o ponto de vista do interesse nacional”.
A lista de ditadores, de políticos extremistas, de académicos misantropos, de populistas e de generais golpistas que produziram tiradas histéricas contra o sistema parlamentar democrático é demasiado longa para que possa ser citada num artigo de opinião com estas características. Só tenho mais uma entrada disponível para hoje. Trata-se do Secretário Regional da Educação e Cultura, Avelino Meneses, que, no âmbito de uma intervenção dirigida aos jovens do ensino básico que participavam no Parlamento dos Jovens, decidiu “enaltecer” os valores da democracia parlamentar através do seu próprio e intransmissível testemunho pessoal. 
Disse-lhes para participarem, em nome do ideal de cidadania que estava associada ao evento parlamentar, no “mais triste dos espetáculos, ou seja, o espetáculo da vitória do interesse pessoal sobre a convivência coletiva, do insulto sobre a decência, da estupidez sobre a inteligência”. E pronto, citados Salazar, Mussolini e Goebbels, o novel Secretário da Mocidade Portuguesa esgueirou-se do “hemiciclo do mal” e lá foi, contente e feliz, sem sequer se dar ao trabalho de escutar as intervenções dos jovens deputados a quem tinha acabado de dirigir a sua aula magistral.  
Nos dias seguintes, o Secretário Regional socialista foi incensado nas redes sociais – onde se organizam autos-de-fé diários, para delírio da populaça que adora o doce odor de carne queimada de deputados, tendo em conta a raridade contemporânea de judeus e de bruxas – e em alguma opinião publicada. 
O antiparlamentarismo é recorrente nos períodos de maiores dificuldades económicas e sociais. Nestas circunstâncias, os parlamentares - de todos os países e de todas as épocas - são alvos fáceis para todos os que querem iniciar uma carreira de ditador ou apenas sobreviver nas águas fétidas do populismo que parasita a inteligência dos cidadãos. É verdadeiramente chocante que um Partido como o PS, fundador do atual sistema parlamentar português, tenha decidido apoiar as afirmações antiparlamentares do Secretário da Educação. Quem semeia ventos, colhe tempestades, diz o bom povo português. Não tenho dúvidas que é esse o género de colheita que o futuro reserva ao PS/Açores.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 23/03/2015)