quarta-feira, 1 de abril de 2015

Artigo de Opinião: "A Última Linha de Defesa"

A evolução recente do discurso norte-americano sobre a Base das Lajes possui uma natureza claramente mercantil. Desvaloriza a importância geoestratégica da Base das Lajes até ao ponto de admitir o seu abandono para, logo a seguir, “aceder em ficar” no quadro de uma muito substancial redução dos efetivos militares, da componente logística e do número de trabalhadores portugueses afetos à Base das Lajes (ou seja, a demolição do que resta da componente laboral portuguesa). Estão a fazer bluff.
No atual quadro das relações internacionais os Estados Unidos são a maior potência, mas não a única. Tal como sucedeu com todas as potências hegemónicas da História – a começar por a que a antecedeu: o Império Britânico –, a verdade é que não é possível aos Estados Unidos regressar a uma política externa isolacionista. Isso foi, em parte, possível no período entre Guerras do século XX, na medida em que a Grã-Bretanha assegurava, nessa época, o papel de potência global. Foi à Grã-Bretanha que coube o papel de tentar manter a estabilidade do sistema internacional nas décadas de vinte e trinta do século passado. 
A História demonstrou que, naquele período, essa era uma tarefa que superava a capacidade económica e militar dos britânicos. Foi esse facto e essa incapacidade que “obrigou” os Estados Unidos a assumir a sua dimensão de potência global ainda no decorrer da II Guerra Mundial. Não existia, e continua a não existir, alternativa real para um país com interesses económicos globais. 
O grande desafio atual dos Estados Unidos não é diferente da situação internacional que enfrentaram todos os poderes hegemónicos anteriores: como manter a estabilidade e a “preponderância” no sistema internacional de Estados sem alargar demasiado a logística militar e o consequente esforço financeiro que lhe está subjacente? 
Nos últimos anos, esta questão tem merecido uma reflexão aprofundada no mundo académico, político e militar norte-americano. As conclusões não são completamente unânimes, mas é possível assinalar três grandes linhas de convergência entre as reflexões geopolíticas mais influentes: 
1 – A logística militar norte-americana é, de facto, demasiado extensa e dispendiosa. Segundo dados revelados pelo próprio Departamento da Defesa Norte-americano, os Estados Unidos possuíam, até há bem pouco tempo, cerca de 760 bases, espalhadas por 40 países. A médio prazo, a manutenção deste enorme esforço logístico acabará por afetar a base produtiva do país. Nessa perspetiva, é necessário fazer escolhas e estabelecer prioridades no contexto de uma redução progressiva de responsabilidades militares no exterior; 
2 – Em qualquer cenário, os Estados Unidos devem evitar situações de atrito permanente com os novos poderes emergentes (China, Índia, Rússia ou o Brasil). A médio prazo, o esforço que seria necessário realizar nos diversos teatros regionais afetaria gravemente a capacidade económica do país. A opção é jogar tudo na manutenção dos equilíbrios regionais em detrimento de uma ideia de hegemonia incontestada em todas as áreas do globo; 
3 – Manter opções fortes no Atlântico, Mediterrâneo e Médio Oriente. As intervenções militares mais dispendiosas dos Estados Unidos, nos últimos vinte anos, foram efetuadas precisamente nestas zonas do mundo, no sentido de evitar qualquer rutura do equilíbrio regional. 
Em síntese, é absolutamente certo que os Estados Unidos pretendem reduzir as despesas militares no exterior. Não é, no entanto, correta a asserção de que os Estados Unidos estão disponíveis para abandonar posições no Atlântico, no sentido de posicionar forças militares no Pacífico e no Índico para conter a China e a Índia. 
A Base das Lajes constitui, neste contexto, a retaguarda segura de que os americanos não podem abrir mão. Tudo pode correr mal no Mediterrâneo, em especial no albergue espanhol. Retirar da Base das Lajes é ficar sem um plano de contingência entre Nova Iorque e a bacia do Mediterrâneo e deixar a porta aberta para a instalação de um entreposto comercial chinês destinado a assegurar a viabilização de uma espécie de rota da seda chinesa entre a zona do Canal do Panamá (ou da Nicarágua) e os mercados europeu e africano.
Os americanos não têm cartas para sustentar este bluff, a menos que do outro lado esteja um imbecil com jogo para ganhar, mas com instinto de perdedor. Temo que possa ser esse o caso.
(publicado no jornal Açoriano Oriental de 26/01/2015)